segunda-feira, 31 de março de 2014

NENHUMA MULHER MERECE SER ESTUPRADA!

Estudo divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que entrevistou 3.810 pessoas em todas as unidades da federação, revelou que 58,5% dos entrevistados concordaram totalmente ou parcialmente com a frase "Se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros". Em relação a essa pergunta, 35,3% concordaram totalmente, 23,2% parcialmente, 30,3% discordaram totalmente, 7,6% discordaram parcialmente e 2,6% se declararam neutros.  Quando perguntado se "as mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas": 42,7% concordaram totalmente com a afirmação, 22,4% parcialmente; e 24% discordaram totalmente e 8,4% parcialmente. Também se desvelou que 63% concordaram, total ou parcialmente, que “casos de violência dentro de casa devem ser discutidos somente entre os membros da família”, 89% dos entrevistados tenderam a concordar que “a roupa suja deve ser lavada em casa”.  
É estarrecedor descobrirmos que 66,5% do universo do estudo eram do sexo feminino. Nesse sentido, entendemos que as mulheres brasileiras deviam valorizar a liberdade e os direitos conquistados. Mas, podemos observar em uma simples pesquisa de opinião o quanto tudo isso é frágil, pois o problema reside na prática cotidiana, instância na qual a igualdade legal e a diferença se transformam em desigualdade, em uma relação de poder desigual entre homens e mulheres. É um absurdo, ver mulheres apoiando modalidades de violência praticadas contra as próprias mulheres, no mínimo é esquizofrenia ou burrice.
O resultado do estudo deixa explícito que os homens não conseguem controlar seus apetites sexuais; então, as mulheres que os provocam é que deveriam saber se comportar, principalmente vestindo-se adequadamente, e não os estupradores. A violência parece surgir, aqui, também, como uma correção. Desta forma, a mulher merece e deve ser estuprada para aprender a se comportar.
As relações desiguais na distribuição de um poder subjetivo entre homens e mulheres, ainda nos remete a uma “guerra dos sexos”. Mesmo que alguns considerem ultrapassada a dicotomia nessas relações, elas estão presentes e fortes delimitando o lugar de cada um.  São impassíveis quando se trata de uma transgressão feminina.
Isto quer dizer que, tristemente, a história e a cultura têm sexo. Não é feminina e tão pouco democrática. Essa cultura e história instituídas usam como fontes de poder a violência sexista ou de gênero, e alavancam em seus discursos antagônicos a ideia de que qualquer violência se justifica: “porque é mulher”.
  Se for lésbica precisa ser estuprada para saber o que é homem. Se mostrar o corpo pede pra ser estuprada porque quer homem. Se esconder o corpo merece ser estuprada porque aguça a curiosidade dos homens. Se for menina merece ser estuprada para saber como vai ser sua vida com um homem. Se for idosa precisa de homem. Se estiver estressada é por falta de homem. Se estiver deprimida precisa de homem para alegrá-la. Se for feia precisa agradecer o estupro. Se for bonita provocou. Se for religiosa precisa se voltar menos a Deus e mais ao homem. Se não é religiosa falta-lhe homem para elevá-la a Deus. Se trabalhar no meio de homens, procurou por homens. Ou seja, a cultura e a história já mostraram que não superamos o falo. O “cacete”, o “pau”, o “mastro” e o “porrete” estão sempre à espreita para bater, marcar “seu lugar”, “seu status”, “segregar” e quando não violenta sexualmente, fere com essas marcas indeléveis de cultura.
Enfim, vestir-se de forma diferente e por vezes até inadequada é apenas um problema de gosto ou educação, o que de forma alguma autoriza abordagens impertinentes, frases chulas ou mesmo a violência do contato físico. Neste contexto, imagino que quem apoie a posição de que "se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros", claramente um ato de violência no espaço público, provavelmente também apoie a violência de homens contra as mulheres no espaço familiar, como mostra o estudo. O que nos mostra que a histórica domesticação feminina e hierarquização das relações implantadas pelo patriarcado deram certo. E que a nossa sociedade tem muito que caminhar no que tange à justiça, a igualdade e a não reprodução de modelos perversos de relação.

Por: Silvia Piedade de Moraes e José Roberto Brêtas

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