Estudo
divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que entrevistou
3.810 pessoas em todas as unidades da federação, revelou que 58,5% dos
entrevistados concordaram totalmente ou parcialmente com a frase "Se as
mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros". Em relação
a essa pergunta, 35,3% concordaram totalmente, 23,2% parcialmente, 30,3%
discordaram totalmente, 7,6% discordaram parcialmente e 2,6% se declararam
neutros. Quando perguntado se "as
mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas": 42,7%
concordaram totalmente com a afirmação, 22,4% parcialmente; e 24% discordaram
totalmente e 8,4% parcialmente. Também se desvelou que 63% concordaram, total
ou parcialmente, que “casos de violência dentro de casa devem ser discutidos
somente entre os membros da família”, 89% dos entrevistados tenderam a
concordar que “a roupa suja deve ser lavada em casa”.
É
estarrecedor descobrirmos que 66,5% do universo do estudo eram do sexo
feminino. Nesse sentido, entendemos que as mulheres brasileiras deviam
valorizar a liberdade e os direitos conquistados. Mas, podemos observar em uma
simples pesquisa de opinião o quanto tudo isso é frágil, pois o problema reside
na prática cotidiana, instância na qual a igualdade legal e a diferença se
transformam em desigualdade, em uma relação de poder desigual entre homens e
mulheres. É um absurdo, ver mulheres apoiando modalidades de violência
praticadas contra as próprias mulheres, no mínimo é esquizofrenia ou burrice.
O
resultado do estudo deixa explícito que os homens não conseguem controlar seus
apetites sexuais; então, as mulheres que os provocam é que deveriam saber se
comportar, principalmente vestindo-se adequadamente, e não os estupradores. A
violência parece surgir, aqui, também, como uma correção. Desta forma, a mulher
merece e deve ser estuprada para aprender a se comportar.
As
relações desiguais na distribuição de um poder subjetivo entre homens e
mulheres, ainda nos remete a uma “guerra dos sexos”. Mesmo que alguns
considerem ultrapassada a dicotomia nessas relações, elas estão presentes e
fortes delimitando o lugar de cada um.
São impassíveis quando se trata de uma transgressão feminina.
Isto
quer dizer que, tristemente, a história e a cultura têm sexo. Não é feminina e
tão pouco democrática. Essa cultura e história instituídas usam como fontes de
poder a violência sexista ou de gênero, e alavancam em seus discursos
antagônicos a ideia de que qualquer violência se justifica: “porque é mulher”.
Se
for lésbica precisa ser estuprada para saber o que é homem. Se mostrar o corpo
pede pra ser estuprada porque quer homem. Se esconder o corpo merece ser
estuprada porque aguça a curiosidade dos homens. Se for menina merece ser
estuprada para saber como vai ser sua vida com um homem. Se for idosa precisa
de homem. Se estiver estressada é por falta de homem. Se estiver deprimida
precisa de homem para alegrá-la. Se for feia precisa agradecer o estupro. Se
for bonita provocou. Se for religiosa precisa se voltar menos a Deus e mais ao
homem. Se não é religiosa falta-lhe homem para elevá-la a Deus. Se trabalhar no
meio de homens, procurou por homens. Ou seja, a cultura e a história já
mostraram que não superamos o falo. O
“cacete”, o “pau”, o “mastro” e o “porrete” estão sempre à espreita para bater,
marcar “seu lugar”, “seu status”, “segregar” e quando não violenta sexualmente,
fere com essas marcas indeléveis de cultura.
Enfim, vestir-se de forma diferente e
por vezes até inadequada é apenas um problema de gosto ou educação, o que de
forma alguma autoriza abordagens impertinentes, frases chulas ou mesmo a
violência do contato físico. Neste contexto, imagino que quem apoie a posição
de que "se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros",
claramente um ato de violência no espaço público, provavelmente também apoie a
violência de homens contra as mulheres no espaço familiar, como mostra o estudo.
O que nos mostra que a histórica domesticação feminina e hierarquização das
relações implantadas pelo patriarcado deram certo. E que a nossa sociedade tem muito
que caminhar no que tange à justiça, a igualdade e a não reprodução de modelos perversos
de relação.
Por: Silvia Piedade de Moraes e
José Roberto Brêtas